Dark Fears & Eerie Litanies
Os Sons Perdidos
Bragança,
capital de distrito. Vive longe do Mundo, esta cidade com pouco mais de 35 mil
habitantes. Apartada das grandes confusões, só quem lá foi criado consegue
vislumbrar o lado positivo de tal seclusão. Nunca a solidão foi inimiga da
criação, arrisco dizer, e Bragança não é diferente. De Música falamos. Música
criada em isolamento?! Arte concebida em conformidade com as realidades desse momento.
A
região transmontana ficará para sempre conhecida como o Reino Maravilhoso de
Torga. Com suas palavras, Miguel Torga levou a região, que fica para lá do
Marão, muito mais longe. Baptizou-a, e que bem a baptizou! Maravilhas naturais,
maravilhas gastronómicas, maravilhas de encantar e conquistar! E de Música?! De
Música, senhores e senhoras, na verdade a lenda não reza muito, infelizmente.
Grandes nomes ou nomes grandes?! Talvez grandes nomes. Galandum Galundaima
serão, porventura, o nome maior da Música da região portuguesa mais a Noroeste
de Lisboa. Donos de uma sonoridade Folk, herança da sua terra, Miranda do
Douro, muito longe levaram estas sonoridades. Nome conceituado, é sem dúvida
(na minha perspectiva) o bastião musical desta mais que bela região.
Mantemo-nos
no campo da Música, as sonoridades mais pesadas. Nomes de “peso”, de relevo, de
destaque?! ThanatoSchizO, anteriormente conhecidos como Thanatos, serão
concerteza aquele nome que mais longe chegou. Eram, primeiro, distintos de
muito do que se fazia em terras lusitanas. Cresceram, como banda, e poliram o
seu som (infelizmente isso significou uma perda de qualidade), até ao dia em
que deram por terminada a aventura. Anos depois surgiram os Serrabulho,
projecto que terá as suas qualidades (deixo ao leitor o vislumbrar das mesmas).
Não é de Santa Marta de Penaguião que falamos, não é de Vila Real… é de Bragança, e neste caso específico, dos Dark Fears, que falamos. Em 1997, mudei-me para Bragança, vindo da “Capital do Império”. Desconhecia por completo a cena musical brigantina, e mesmo estes Dark Fears só me foram dados a conhecer muito recentemente pelo belíssimo poeta brigantino, Telmo Barreira. Brigantino de requintado gosto literário e musical. E que tesouro guarda este grupo de jovens de Bragança?! Informação alguma foi encontrada, nas várias pesquisas online. Caso alguém saiba algo sobre a mesma, ou conheça alguém que possa ajudar, por favor entre em contacto.
E a
sonoridade da mesma?! Estando a escrever isto em 2020, muito provavelmente
muitos considerarão o som da banda, desactualizado. Esta linha de Doom/Gótico,
dualidade vocal (o clássico gutural e voz feminina, angelical), ainda que nesta
formação essa realidade esteja menos vincada que naquela que lhe seguirá: Eerie
Litanies.
Não
deixa de nos dar um pouco daquilo que prevemos receber: Doom/Goth, mas “adocicam-no”
com batidas… diferenciadas. É diferente, sem dúvida; tem linhas de sintetizador
que nos conduzem por toda a sua duração. Assim se apresentam, ao Mundo, os Dark
Fears.
Entre
Anathema e My Dying Bride, temos apontamentos que “fogem” totalmente da esfera
referida (“P5” é um belíssimo exemplo de tal). Há Theatre of Tragedy e essa
dualidade vocal. É deveras interessante ver que esta música foi concebida em
Bragança. Interessante, não por considerar que os músicos de Bragança não são
capazes de o fazer, mas sim por ver que tais criações saíram de Bragança, terra
sem tradição alguma, no género. O tema, “Refúgios da Indiferença”, está soberbo!
Aqui vemos a capacidade criativa destes músicos. Há aqui elementos que ainda
hoje não se veem em muitos casos. Português, Inglês. O recurso a ambas as línguas, resulta em momentos musicais que marcariam, ainda hoje, o panorama
musical nacional. Onde andarão estes senhores actualmente?! Já me foi dito que
um regresso muito dificilmente acontecerá.
E
chegamos a “Fluidum”, um tema instrumental, termina este trabalho (Demo?
Álbum?), pondo assim fim ao percurso da banda… Das cinzas de um, nasce outro. Eerie
Litanies. A primeira recordação que tenho, deste nome, é um 9 em 10 na extinta
(e antiga) revista portuguesa dedicada às sonoridades mais pesadas, “RIFF”.
Terá sido, creio, num dos primeiros números da mesma. Sei que a tenho no sótão
da casa dos meus pais, numa qualquer caixa, no meio de muitas mais e de uma
larguíssima série de Blitz (o verdadeiro, não este vergonhoso exemplo de
péssimo jornalismo).
Musicalmente
falando, nota-se uma evolução, um arriscar o experimentalismo. A dualidade
vocal ganha uma maior preponderância, à qual são adicionadas novas linhas
musicais, como o início do 1.º tema. Realmente, era engraçado saber como seriam
recebidas estas músicas hoje em dia. Seriam capazes de “batalhar” como momentos
mais modernos? Os elementos que a banda adicionou à sua base instrumental,
seriam “aceites” pelos ortodoxos do género? A própria região – a cultura
musical destas novas gerações… - aceitaria que uns dos seus criassem tais
malhas? Caramba, a 1.ª malha acaba com uma Bossa Nova ahahah se isto não é pushing boundaries, you tell me?!
Nunca tive oportunidade de conhecer qualquer um dos membros da banda. Provavelmente pediria, muito educadamente, para equacionarem algo, mas arrisco dizer que, entre um sorriso e outro, a resposta seria “não!”. Mais uma vez, é uma pena. Conhecendo a cena nacional actual, como conheço, acredito piamente que ainda conseguiriam marcar uma posição. Numa época que poucos são os grupos dos 90/início dos 00 que se mantiveram nesta linha, ou que mudaram totalmente a sua sonoridade (Anathema talvez seja o melhor, e mais triste, exemplo)…
Mas o “problema” nem é só esse. Há que equacionar se a região continua a ter uma “cena”. Bandas de tributo surgem quase todos os dias, o que me deixa triste, considerando a qualidade musical do pessoal de Bragança. Em Vila Real, onde ainda há uma cena e muito devido ao Guilhermino Martins (Serrabulho, ex-ThanatoSchizO e Blind & Lost Studios), onde surgem bandas com alguma regularidade. Mas continuam a sofrer do distanciamento do grande público. O Porto é já ali ao lado, e a Meca do Heavy Metal em Portugal, agora... é o Porto, sem dúvida alguma. Mas o público de Bragança apoia?! As bandas de tributo chamam imensas pessoas e enchem as caixas registadoras de muitos, mas isso não é uma cena musical, isso não é um colectivo de bandas, isso é nada! Onde andam aquelas 23465769 bandas de Rock, Punk, Pop, Heavy Metal, etc?!
O pessoal cresceu, saiu da cidade e não regressou. Não os condeno por isso. Eu saí e fiz zero pela cena que hoje reclamo como necessária… um tanto ou quanto contraditório, certo? E onde estão as rádios a apoiar a cena da cidade? RBA e a sua “Alternativa Dupla” de Sábados à noite, das 22h às 24h?! Recordais?! Eu recordo. Sábados em casa para ouvir coisas novas, coisas velhas, coisas boas… nunca mais, as mesmas, facilitaram o acesso à nova Música. Velho do Restelo…
Estes Eerie Litanies, se regressassem, como seriam vistos? Pelos mais novos e pelos mais velhos. Indiferença?! Espanto?! Admiração?! O pessoal quer é concertos daquelas bandas só conhecidas pelos promotores, nos bares mais da moda, mas aos quais o pessoal adere porque é Hip & Chic. Más-línguas, rapaz ahahah.
“The
End Box (Part 2)”, 2.º tema da Demo/EP, fantástico.
“Fluidum
Vitale”, 4.º e último tema. As atmosferas criadas, etéreas e quase angelicais,
encerram este capítulo (e a estória, de certo modo) de um modo perfeito.
Capítulo
e Estória concluídos. Sigamos para uma nova…
(Datado de 14 de Abril de 2020)
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