Boas. Bem-vindos de novo a este nosso espaço. Depois de longo tempo afastado desta plataforma, a obrigatoriedade de cá voltar, foi mais forte.

Regresso com uma entrevista a uma das bandas mais entusiasmantes do panorama nacional: Pledge, da cidade Invicta. De longe serem novatos, a experiência de anos, de bandas, de estrada, e de tudo um pouco, convergiram e daí nasceram os Pledge.

Longa conversa, Old-School Style infelizmente, que resultou numa das entrevistas mais interessantes que já me foi dada a oportunidade de fazer...

O meu sincero agradecimento pela vossa disponibilidade e palavras, antes de mais e, já de seguida: "Wrong Planet Syndrome". Suponho não estar errado se dizer que este foi o vosso "último suspiro", público pelo menos, antes desta pausa forçada, correcto? Comecemos, então, pelo fim: qual o próximo passo para os PLEDGE? Álbum de estreia…

Hugo: O nosso álbum de estreia intitulado “Haunted Visions e acabado de sair com o selo da Raging Planet, é o resultado de um processo de maturação como banda e da sinergia entre todos nós enquanto indivíduos a tocar juntos pela primeira vez. É um disco que diverge do registo mais metal do “Resilience” EP, apalpando terrenos mais experimentais, e dando origem a composições mais profundas, sem nunca colocar de parte o peso que nos caracteriza. 

Ainda na linha das edições, o "Resilience" é de 2018. Que vos levou, como banda, a só em 2020 avançar com novidades (excluindo o facto óbvio da pandemia, claro)?

Hugo: 2018 e 2019 foram os anos de promoção do “Resilience”, e andamos na estrada durante a promoção do mesmo. Inevitavelmente, isso levou a que nos conhecêssemos melhor enquanto pessoas e enquanto músicos, visto que PLEDGE foi um projeto inicialmente criado em estúdio e só depois passou para a sala de ensaio e respectivos concertos. Enquanto isso ia acontecendo, fomos compondo o “Haunted Visions”, que foi finalmente gravado pelo André Gonçalves do Adrift Studio, em Viana do Castelo, a Dezembro de 2019. No inicio de 2020, com o disco de estreia a ser masterizado, o plano era fazermos uma despedida do EP com uma mini tour em Espanha e passar para a apresentação do “Haunted Visions”, mas tivemos de o adiar por causa da Pandemia.

Em que base assenta o EP, musical e liricamente? No aspecto lírico, já o "Wrong Planet Syndrome" me pareceu (mas posso ter feito uma péssima interpretação da mesma, e as minhas desculpas se assim foi) ser um tanto ou quanto uma perspectiva pesada daquilo que rodeia o Ser, a procura. De uma forma geral, qual é a vossa base llírica? Qual a mensagem que pretendem passar com o vosso trabalho?

Sofia: É difícil, para mim, ser concreta face a esta questão. É evidente que os processos criativos de qualquer pessoa são pessoais e intransmissíveis, mas, no meu caso em particular, é raro eu criar um conceito anterior à expressão artística ela mesma. Já o fiz noutras alturas e não coloco de parte a possibilidade de o voltar a fazer, mas, ultimamente, tudo aquilo que escrevo simplesmente flui e nem eu própria tenho noção daquilo que quero dizer antes de o começar a passar para o papel. Acontece-me, muitas vezes, escrever uma letra cuja análise é tardia. É muito comum chegar à conclusão de que só consigo interpretar o que escrevi muito tempo depois de o fazer, já quando o processo de gravação está fechado e passou um bom tempo desde que o fiz. Nessa altura, sou assaltada por uma espécie de epifania em que a soma de todas as partes parece integrar um todo que só nesse momento consigo vislumbrar. Algo que me faz compreender que o momento da escrita tem funcionado para mim sobretudo como uma purga. Só quando analisado com um certo distanciamento me é possível transformar todas as partes constituintes numa espécie de amálgama conceptual, e ainda assim chamar-lhe conceito parece-me redutor. Talvez o peso que mencionas advenha do cunho “existencialista” que é característico da minha escrita. No meu caso, é difícil separar a obra da autora: é dos poucos momentos em que sou eu própria e não sobreanaliso o que estou a fazer. Não considero isto, temas pesados. Acho muito mais pesada a leveza com que a grande maioria das pessoas passa por estes fenómenos humanos e escolhe evitar o confronto com eles. Evidentemente, todos são livres de fazer como nos aprouver. Mas a minha opinião é que as pessoas permanecem escravas destes conceitos de positividade que em tudo renegam o lado positivo do confronto com os outros e consigo próprias, negando-lhes até algum conforto face a determinadas questões, ou até mesmo o acesso ao autoconhecimento. Penso que falta uma certa profundidade, na maior parte das pessoas, e é muito comum abordar essa questão nas músicas que escrevo. Esta é a minha forma de as tentar despertar para outras realidades que não as delas.

Ainda com "Wrong Planet Syndrome" (e de referir que o clip está muitíssimo bom, ora não fosse o Porto uma belíssima cidade, para lá de toda a "construção" do mesmo). Conseguem-me fazer a ponte entre a letra do tema e o clip que o ilustra?

Sofia: Muito obrigada pelas palavras de apreço. Aproveito para referenciar o realizador do mesmo, o nosso amigo André Cardoso, que tem vindo a desenvolver connosco uma relação de quase exclusividade, aquando da realização dos nossos conteúdos de vídeo, sendo que todos os outros vídeos foram feitos também por ele. Isto não invalida o facto de, no futuro, virmos a trabalhar com outros realizadores, mas acho relevante mencionar que estamos super satisfeitos e orgulhosos do trabalho do André e, sem ele, nenhuma das nossas ideias poderia ter sido posta em prática. É uma relação de reciprocidade que esperamos manter por muito tempo! Acerca do vídeo da "Wrong Planet Syndrome", posso começar por dizer que não existe qualquer ligação entre a cidade do Porto e a letra. Não vou dizer que se tratou de uma escolha meramente estética, pois é evidente que sendo do Porto, me sinto extremamente ligada a esta cidade. Só posso falar por mim, contudo. A cidade do Porto tem uma alma antiga, que quase que verte para fora de qualquer ecrã. As suas ruas estreitas, edificadas sobre ruínas, murmuram histórias de outros tempos, e dos tempos que virão também. Existe uma mística negritude que a envolve, como o nevoeiro sobre o rio D’Ouro pela manhã, num dia de inverno. Considero que quem conhece a cidade dispensa as descrições mas, para quem não conhece, fica um pouco daquilo que os meus olhos apreendem e, quem sabe, deixe uma semente de curiosidade na alma daqueles que não a conhecem. Já no que diz respeito ao conteúdo lírico, este vídeo poderia ter sido filmado em qualquer cidade do Mundo. Esta é uma das músicas mais pessoais do nosso novo álbum e fala sobre a minha dificuldade em me inserir socialmente. É uma letra catártica sobre a neuro-diversidade.

Aliás, se pensar nisso, todos os vossos clips são excelentes trabalhos visuais. Mais que ter a banda a tocar, há todo um conceito que acredito que venha da letra do tema. "Doom & Redemption" centra-se em que ideia, em que conceito? Orwell e "1984", fortíssimo…

Sofia: A "Doom & Redemption" é um grito de revolta, em toda a sua essência. Fala sobre a era digital que vivemos, e cujas características nos aproximam cada vez mais de uma sociedade distópica e híper-controlada, muito à semelhança da retratada pelo George Orwell. Também podia ter feito referência a Aldous Huxley, mas efectivamente o Orwell pareceu-me melhor exemplo no momento. A música em si não foi inspirada pelo livro, mas pensei que não havia melhor quote para fechar o vídeo do que aquela. Na realidade, a ideia para o vídeo surgiu de um filme do M. Night Shyamalan, o “The Village”. A “floresta” é a barreira simbólica entre nós mesmos e a nossa liberdade, representando ao mesmo tempo a nossa origem enquanto seres vivos. No nosso vídeo, enceno uma personagem que quer ir ver por si própria o que existe além do “limiar”, representado pela floresta. Levo comigo um falcão, que representa duas coisas: o olho que tudo vê (olho de Hórus) e a supremacia da Natureza face às máquinas, representadas pelos drones e pelo circuito simulado de videovigilância. Isto porque actualmente se fala imenso em AI, e sinto que é para aí que caminhamos tecnologicamente, mas o desfecho do vídeo coloca precisamente em questão a impossibilidade de simularmos o instinto animal que, de algum modo, é inesperado e impossível de “prever”, ao contrário do de uma máquina – que não passa de uma mimesis da natureza. No fundo, o que eu quero dizer é que a Natureza é impossível de igualar, sobretudo quando a intenção é subjugá-la. E pretendo deixar evidente que o instinto animal, quando confrontado e integrado, é uma mais-valia para nós, enquanto seres humanos. O problema, para mim, reside na hipótese de ignorar esse lado e de ficarmos à mercê da sua manifestação espontânea por constantemente o empurrarmos para o campo do inconsciente, algo que todos os dias nos é socialmente instituído. O pensamento crítico é algo cada vez mais raro, porque as pessoas estão habituadas a confiar cegamente naquilo que o sistema lhes apresenta como sendo verdades absolutas. Não existe nada mais perigoso do que acreditar no que nos dizem sem irmos ver por nós próprios.

Concordo plenamente da descrição que fazes da cidade do Porto. Apesar de ser Lisboeta de gema, tenho laços a Trás-os-Montes, o que me levou várias vezes ao Porto (isso, e ser Portista), sendo que nos últimos anos tenho marcado presença no Invicta Reqviem Mass, e vejo o Porto como uma força motriz do Heavy Metal nacional, do país. Das salas de espectáculo, às bandas, passando pelo público… não reduzindo o resto do país, o Porto é o que se vê. Que razões encontram para isso? Que há, no ar dessa cidade, que leva a isto (ah, e o Mestre Manel sempre em alta)?

Sofia: Honestamente falando, não estou certa de que o Porto seja mais propício à produção artística do que qualquer outro lugar do país. Mas é verdade que aqui no Porto temos alguns núcleos importantes para as bandas underground, que estimulam de certo modo a criatividade dos músicos. Um caso muito conhecido a nível nacional, e até mesmo Europeu, é o Centro Comercial Stop, onde grande parte das bandas do Porto tem salas de ensaios - PLEDGE inclusive. Também é o local onde está o único bar de metal do Porto: o Metalpoint. Bares como o Barracuda Clube de Roque, na baixa do Porto, ou o Woodstock 69, em S.Roque, são locais que sempre levaram avante uma série de eventos que apoiam o movimento underground, e espero muito sinceramente que perdurem face às consequências económicas que advém da pandemia que vivemos actualmente. E claro, a Bunker Store é um local de referência: uma loja de discos muito especial, com uma pessoa muito especial por trás: o nosso grande Manel. Vou lá muitas vezes para conviver com ele e devo dizer que já fiz amigos muito especiais nesse sítio!

Será possível formatar este Sistema de forma a servir, efectivamente, aqueles que o compõem? As disparidades sociais, a própria estrutura do Sistema, que alavanca os mais poderosos, para que mais poderosos se tornem… mas o Povo insiste em bater na mesma tecla? Esta descrença no Sistema corre o risco de se enraizar na nossa Sociedade, impossibilitando uma real mudança no Futuro?

Sofia: Eu não quero soar negativa ou até mesmo derrotista, mas creio que a estrutura deste sistema já está de tal modo instalada, que será muito difícil conseguir contorna-lo. Trata-se de uma batalha desigual que implica uma mudança total de paradigma, algo que deve partir das pessoas que integram a estrutura social. Creio que a maior parte das pessoas não compreende que são elas mesmas os pilares da sociedade, e que quem está acima depende na íntegra dos que estão abaixo…O sistema capitalista em que vivemos, moldou-nos de uma forma tão persuasiva, que muitos de nós acabamos por desistir de criar qualquer tipo de mudança que se preze. Não quero com isto dizer que não há quem lute da forma possível, mas a realidade é que para conseguirmos uma mudança palpável, era preciso um enorme esforço de consciencialização de que juntos, somos mais fortes, e que apenas unidos podemos mudar seja o que for. O carácter revolucionário do nosso povo tem vindo a ser abafado, os nossos direitos retirados pela calada, e sinto particularmente um extremismo ideológico crescente, que nos divide cada vez mais, ao invés de nos aproximar. Isto para não referir o facto de que muitas pessoas não possuem o discernimento ideal face a estas questões, muitas delas porque precisam de garantir as necessidades básicas de si próprias e das suas famílias, e por isso mesmo acabam por se coadunar com o sistema, pois na realidade não dispõe das armas intelectuais nem do tempo necessário para questionarem as verdades e as condicionantes sociais que lhes são impostas. Nesse aspecto, apenas alguns privilegiados poderiam tentar unir esforços, mas estamos a falar de uma questão verdadeiramente utópica, visto que estamos cada vez mais distantes uns dos outros. O máximo que podemos fazer, é tentar viver as nossas vidas de acordo com as nossas consciências, criando dinâmicas suficientemente impactantes para deixar uma semente nas mentes das gerações vindouras. Creio que essa é a única forma de tentar inverter este processo de anos e anos, e mesmo assim, poderá revelar-se insuficiente!

Sois todos músicos com anos e anos de experiência, de bandas, de estrada e de tudo aquilo com o que foi referido, mas a pergunta cliché impõe-se: como convergistes, e chegastes à ideia do que viria a ser PLEDGE?

Hugo: PLEDGE foi criado por mim em estúdio com o intuito de obter uma sonoridade que me desafiasse na composição na guitarra, um estilo que diferisse de todos os meus projectos anteriores. Musicalmente foi a tentativa de soar o mais pesado possível, dentro de uma variável de metal com Blackened Hardcore. Sempre com a voz da Sofia em mente para dar voz ao projecto! O EP depois viria a ser misturado e masterizado pelo Chris Paccou (Carcass, Napalm Death, Slayer). Posteriormente, a saída do Ricardo (Mr Myiagi) e a inclusão dos restantes membros veio suscitar uma abrangência cada vez mais ecléctica na sonoridade da banda, algo que do ponto de vista criativo já se reflecte no “Haunted Visions”. Cada elemento foi trazendo a sua essência: o estilo de bateria alterou-se com a complexidade musical do Filipe Romariz que vem de projectos como Local Trap e Lodge, o Vítor Vaz que vem da cena Punk Rock  de Mr Myiagi deu-lhe a fragrância da rapidez e o Vasco, que também é guitarrista de Verbian e tem um projecto de electrónica a solo, denominado Abnóxio, incluiu essa mesma tendência em PLEDGE. Ou seja, passamos de uma banda mais pesada para uma banda cuja sonoridade se tornou naturalmente mais abrangente, mas repito, sem nunca perder a identidade inicial. 

O que é PLEDGE? Sei que já vos perguntei pelo constituinte lírico da banda, mas ainda assim desafio-vos a descreverem-me o conceito por trás da mesma. Absurda pergunta? Não diria melhor, mas vós conseguis, com a vossa música, e as atmosferas violentas – ainda que doces – "pintar" um quadro complexo. O rótulo que ostentais nas vossas redes sociais não será limitador daquilo que a banda é, como um todo? Desculpem lá a extensão…

Sofia: Nada do que pedir desculpa. Tenho de dizer que as questões que colocaste até agora foram pertinentes e muito interessantes. Obrigada por isso. Não sei exactamente a que quadro te referes, porque a minha percepção de como encaram PLEDGE está toldada por aquilo que PLEDGE representa para mim. Mas creio que as redes sociais serão sempre ferramentas castradoras. É impossível compreender a essência de uma banda com base somente na imagem do que ela representa – e o mesmo se aplica às pessoas. Mesmo quando acompanhada de um conceito bem esmiuçado, só podes compreender a essência de um projecto se fores exposto a ele no físico. Tudo bem que a música cria pontes, mas a realidade é que poucas são as pessoas que vão ouvir a música com a atenção que gostaríamos...Sobretudo hoje em dia, em plena “Era do Imediatismo”. Mas apenas os que o fazem podem compreender que um rótulo é isso mesmo: uma forma lógica (e na maioria dos casos redutora) de catalogar as coisas, visando a facilitar o processo de engavetar os estilos por género. Compreendo que a ideia é ajudar as pessoas a orientarem-se melhor no meio de tanta oferta, mas creio que nenhum de nós acredita, verdadeiramente, nessa dita catalogação. Ainda assim, contra factos não existem argumentos: e se queremos chegar a pessoas que possam retirar alguma coisa da nossa música e da nossa mensagem, temos de aprender a navegar esta realidade. E tentamos fazer isso da melhor forma possível. Se quiserem verdadeiramente compreender a nossa essência, fica a dica: venham ver um show ao vivo quando toda esta situação assim o permitir. Não se vão arrepender.

Ainda na linha das redes sociais, o imediatismo e o facilitismo: viveremos num Mundo (ou numa Sociedade), em que o peso da Música se tem diluído com o passar das décadas? O ser "disposable", e a cultura dos singles, ao invés dos álbuns, por exemplo. De que forma poderá isto condicionar a real apreensão, por parte de um jovem, da essência da Música?

Sofia: Eu acredito que a sim, que a influência da música nas pessoas se tem diluído cada vez mais com o passar dos anos. Mas isso é apenas fruto da máquina que está por detrás dessa rápida disseminação. Se por um lado a Internet veio permitir-nos o acesso fácil a todo o tipo de informação, nomeadamente o acesso à Música, e mesmo contribuindo para uma melhor capacidade de alcance por parte das bandas em relação ao público, é também verdade que a Internet é um pau de dois bicos. A oferta é imensa, o que é sinónimo de que há cada vez mais bandas a surgir - e isso é bom. Não acredito que esse seja o problema. O problema aqui, a meu ver, uma vez mais, tem que a ver com a forma como algumas editoras e os serviços de streaming utilizam as bandas. Estando eles próprios focados nos lucros ao invés da qualidade, acabam por perpetuar esse problema. Isso faz com que acabem por criar uma barreira musical densa, difícil de contornar para muitas bandas e difícil de digerir para muitos ouvintes. Isto para não mencionar que as bandas são as que menos lucram no meio deste sistema de promoção musical associado aos novos media. Mas como em tudo, a verdade é que temos de saber adaptar-nos a esta nova demanda e procurar nós mesmos uma alternativa viável, algo que nem sempre é fácil, mas creio ser a única solução. Ainda há muitos coleccionadores, que preferem sempre a edição física à edição digital, e é para eles que temos de nos virar se queremos conservar um pouco do antigo estado da música. E felizmente ainda existem algumas editoras underground que prezam o apoio às bandas, muitas delas sobrevivendo e pouco conseguindo arrecadar, sempre com o coração na camisola. Mas a verdade é que também temos de estar preparados, enquanto banda, para as novas tecnologias e para a cultura underground mais jovem, caso contrário vamos tornar-nos apenas mais uns “velhos do Restelo”. Encontrar um meio-termo, é a única solução que me parece plausível…Talvez tentar educar as gerações seguintes de uma forma mais próxima, aquando dos concertos, da importância do conceito por detrás de um álbum… Não os deixar esquecer o valor da mensagem e da fisicalidade da música.

Falemos de influências musicais. Mais interessante que perguntar que álbuns / bandas são um bom "resumo" do que a banda é, é tentar saber que álbuns / bandas são um bom resumo daquilo que os elementos da banda são. Que obras melhor vos descrevem, e de que forma isso se reflecte – ou não – em PLEDGE?

Sofia: Não sei de que forma é que isso se reflecte na nossa banda como um todo, mas da nossa parte podemos dizer que somos actualmente extremamente eclécticos. Ouvimos vários géneros de música, e gosto de acreditar que é a essa diversidade que devemos à nossa inspiração. Tentamos não ficar estagnados num só género, sentimos que não temos absolutamente nada a provar a ninguém, e não gostamos de dar destaque a bandas especiais, pelo menos não neste tipo de questão... Depende do mood, depende do dia, depende do que nos apetece ouvir no momento. Nunca fomos músicos obstinados dos line-ups, das bandas de referência, dos nomes de álbuns e das datas de release. Não somos essas pessoas, muito embora já nos tenham feito pagar bem por não o sermos. De qualquer dos modos, convenha-se: já existem pessoas que cheguem para se dar a esse trabalho. É claro que temos bandas de eleição, mas preferimos dizer que somos grande fã de ambientes distópicos, de vozes cáusticas, e de melodias dissonantes, do que estar aqui a enumerar uma lista de bandas e artistas favoritos. Não acrescentaria nada. Deixamos isso ao teu critério sempre que nos ouvires.

Ainda em torno de conceitos e interpretações, qual é a vossa perspectiva acerca do momento que vivemos – há já 1 ano pelo menos – e de que forma impactará, realmente, no Homem? A ideia do "Wrong Human Pandemic" (roubando-vos descaradamente o título), não vos assusta? Nos últimos anos temos visto mudanças absurdas, no Mundo e nos comportamentos humanos, e não estou totalmente confiante que esta pandemia nos fará mudar a nossa forma de estar e de viver. Qual a vossa ideia acerca disto?

Vasco: O que mais me assusta é saber que houve imensa mudança mas está tudo na mesma. Pelo contrário, temos urgentemente que mudar a nossa forma de estar e de viver. Neste momento o Mundo tem em manchete o Covid, mas isto não é apenas uma doença que apareceu do nada e veio mudar as nossas rotinas, isto foi só mais uma gota de água, que fez transbordar o copo. Tem a ver com a máquina capital que está há décadas a funcionar, que vai negligenciando o nosso estilo de vida, geração após geração, em que os horários de trabalho vão aumentando, os salários diminuindo, as despesas aumentando e os gadgets que te ajudam a conseguir ser mais eficiente e energético para poderes ser mais produtivo, vão sendo nomeados como as invenções do ano. 

Sofia: Eu acredito que esta Pandemia vai mudar a nossa forma de viver e de estar, e que o Mundo nunca mais será o mesmo. Mas também acredito que sempre assim foi em momentos de viragem, porque o Mundo está em constante mutação. Eras que se foram, Eras que virão: é tudo uma pescadinha de rabo na boca. A única coisa que realmente se tem mantido é o nosso comportamento, que considero, no mínimo, disfuncional. É como se, no geral, nada tenhamos aprendido com a História, e mesmo a História terá sido escrita pelos vencedores, o que não deixa de ser um equívoco para quem quer ver mais além. Daí a importância de questionarmos tudo aquilo que nos é apresentado, sobretudo as ditas verdades absolutas. Acho que no âmago dessas mesmas “verdades absolutas” podemos encontrar o principal motivo de, ao longo da nossa evolução enquanto espécie, o confronto ter sempre levado a melhor. Acho que temos muito a aprender com o Passado, como forma de não repetirmos certos comportamentos no Futuro. Tudo o que se está a passar actualmente pode ser uma brecha para nos unirmos em prol de uma sociedade verdadeiramente evoluída, que possa integrar também a Mãe Natureza e elevar-nos a todos enquanto seres humanos. Contudo, enquanto não estivermos preparados para pensarmos por nós mesmos, e enquanto a consciência de um Mundo melhor não passar das palavras, corremos o risco de estar condenados ao declínio e, muito provavelmente, ao esquecimento. A realidade é que todos nós nascemos num sistema corrupto, coordenado por governos ocultos, que tomam decisões em nome de todos, todos os dias, e sem consentimento prévio. E as coisas foram construídas e elaboradas de um modo tão subtil, que muitos pensam que não passam de teorias da conspiração. 2020 foi assustador, efectivamente: mas acreditem, se não tomarmos medidas preventivas face ao verdadeiro vírus, que é aquele que habita as nossas consciências, os anos que se avizinham serão implacáveis. A Natureza não precisa de nós: contudo, o inverso é verdade.

Pledge Official Bandcamp

Como podemos nós combater este flagelo (posso usar o termo flagelo?)? o Ser Humano perdeu toda e qualquer noção de Civismo e de Sociedade? Mas esta é uma realidade pré-Covid, concordais?

Sofia: Cabe-nos a todos combater esse flagelo, das formas possíveis. Dar o exemplo, talvez seja a forma mais evidente de criar esse estímulo. Mas no final do dia, todos somos livres de fazer como nos aprouver, e em nada podemos mudar a mentalidade dos outros. É preciso ser uma vontade que nasce no peito de cada um. O Covid só veio acentuar aquilo que já estava mal. Veio deixar a descoberto todas as incongruências e fragilidades da nossa sociedade. Mas a verdade é que elas já lá estavam. Cabe a cada um questionar o que pode fazer para deixar o mundo um lugar melhor do que o encontrou!

Seremos nós – ainda hoje e mesmo depois desta experiência, o vírus para o qual não há cura? Isto soará extremista, absurdo, e o raio, mas acredito piamente que atinges uma certa idade e começas a questionar tudo aquilo que te rodeia, inclusive os teus comportamentos (a dinâmica acção – reacção ainda persiste nesta Sociedade de confronto, como referes). Ensinamos os nossos filhos a reagir a uma acção, mas por vezes ignoramos o que está do outro lado, o outro miúdo, por exemplo. Não é simples…

Sofia: É bem verdade que nos comportamos como um vírus. Basta analisarmos a forma como tratamos toda a vida em torno de nós: retiramos da natureza, e não devolvemos. Considero que a consciência de nós mesmos é dupla: é uma bênção e é uma maldição. O nosso suposto estado de desenvolvimento cognitivo, a nossa percepção supostamente “superior”, consequência da verticalidade… A nossa capacidade de nos reconhecermos e reconhecermos o outro, tudo isso deveria ser a base para uma maior empatia e equilíbrio para connosco próprios e para com os outros seres vivos. Sejam eles humanos ou não. Mas o mesmo não se verifica. Comportamos-nos como os favoritos da Galáxia, fruto talvez do egocentrismo cultivado nas nossas estruturas sociais. Estamos demasiado focados no que está fora, e é muito fácil distrairmos-nos face ao que está dentro de nós. Sem esse confronto interno, é impossível compreendermos o que está fora, e o que está fora engloba tudo o resto. Acho que isto advém de uma cultura que nos coloca como os únicos seres sencientes à face do planeta… Quiçá os únicos seres senciente do Universo. Mas até isso pode muito bem ser mentira. Basta ir lá fora e contemplar o Céu numa noite límpida…E reduzirmos-nos, de longe a longe, à nossa insignificância. Isso já seria um excelente catalisador de uma consciência mais empática. Não será por acaso que apenas quando estamos em situações de dor ou de limite, conseguimos contemplar o mesmo nos outros. Infelizmente, creio que só a dor pode servir de ensinamento a quem não consegue colocar-se nos sapatos alheios. É um processo de aprendizagem que nunca termina verdadeiramente, a não ser quando morremos. Não estou a falar de uma jornada rumo à perfeição: somos só humanos. Mas ganhar consciência das nossas fraquezas e dos nossos pontos fortes, é a única forma de reconhecermos as fraquezas dos outros e os pontos fortes nos outros, visando a entreajuda e o não-julgamento. Com esse foco, penso que é possível educarmos os nossos miúdos de forma a tratarem os restantes como gostariam de ser tratados.

Questões sociais distorcidas, questões humanas ignoradas, crescentes políticos extremistas, tudo em prol do quê? A nossa Sociedade está capaz de sarar ou o meu pessimismo tem razão de ser? Isto vem um pouco na linha do espírito daquele que tenho ideia que seja o vosso berço musical: o Punk Hardcore, certo? Estas lutas, urgentes, podem e devem viver na Música, ou esta deve manter-se afastada destas?

Vasco: Cantar sobre os problemas do Mundo não muda o Mundo, mas pode trazer alguma consciencialização, mas para essas mudanças acontecerem temos que começar por mudar a nossa maneira de viver e estarmos dispostos a apoiar quem promove a igualdade, a educação, a saúde, a protecção do ambiente e a vida animal.

Sofia: Isto vai levantar ondas, mas eu não posso ficar calada perante esta pergunta, até porque já a comecei a desenvolver na questão anterior. Passei demasiado tempo da minha vida calada por temer represálias, mas sinto que, finalmente posso falar abertamente sobre aquilo que penso. Antigamente só o fazia através da minha música, mas agora cá vai: o Punk/Hardcore. Creio que o movimento Punk é o berço de todos nós, ainda que muita gente pense, pelo menos no meu caso, que sou uma miúda do metal. Gosto de música pesada, mas não pertenço a lado nenhum... E acredito que o verdadeiro movimento Punk seja isso mesmo: nós somos os putos que nunca se enquadraram em lado nenhum, nem tão pouco o queriam. E acho que o Punk/Hardcore foi a casa que todos criamos à margem de uma sociedade que simplesmente não tinha espaço para nós. Uma sociedade em nada inclusiva, pelo contrário. Mas mesmo dentro destes ditos movimentos que supostamente deveriam ser “inclusivos”, o que eu mais vejo é o oposto: lutas de ego, extremismo crescente e máscaras sociais ao rubro. Tenho pena e fico triste mas, acima de tudo, tem de existir espaço para que todos possamos ser nós mesmos, e as nossas decisões só a nós dizem respeito. Contudo, não vou dizer que não acho que aquilo que deveria ser o espírito Punk é muitas vezes, a meu ver, desvirtuado por aqueles que dizem defendê-lo com unhas e dentes. Esses, infelizmente são os primeiros a contradizer-se. Punk não é a roupa que vestes, nem a t-shirt da banda que ouves. Punk é uma atitude perante a vida, um mindset único que, em todo o seu esplendor, é a súmula de vários mindsets que o constituem. Punk é suposto ser algo libertário e não algo assente em padrões sociais. Deveria ser o oposto disso. Isso acima de qualquer outra coisa. O que fazes com isso só a ti te diz respeito, daí ser um tema complexo. Posso não saber o que é a liberdade, mas sei o que ela não é: o extremo de nada. Deixo-vos com uma frase dita por uma pessoa que muito marcou a minha vida, embora não o saiba, e que eu nunca vou esquecer. Foi-me dita pelo Ricardo, de Day of the Dead, era eu ainda uma criança: “Sofia, o caminho que escolhes é apenas o caminho que escolhes. Ao fundo encontrarás sempre a mesma árvore, e colherás os teus frutos. Mas a árvore é a mesma”. Compreender esta metáfora é a base do que quero explicar acima.

O Ricardo sempre "despejou" essa forma de ver o Mundo no modo como fazia música com DOTD, inclusive no modo como geria o dia-a-dia profissional, e essa é a imagem / ideia que tenho daqueles que (realmente) compõem o núcleo Punk / Hardcore. Realmente essa metáfora é brilhante: o teu caminho é caminhado por ti, independentemente do que te rodeia. É assim que vês, ainda hoje, o teu Mundo?

Sofia: Tenho de admitir que na altura eu não entendi na íntegra o que o Ricardo me estava a querer dizer. Foram precisos muitos anos de amadurecimento para essa memória vir à tona, e ganhar o sentido que hoje lhe atribuo. Mas sem dúvida que é assim que hoje encaro o meu mundo, e sem dúvida que foi dos conselhos mais bonitos e reais que alguém me deu. Essa metáfora, é para mim, a essência que resume o que considero ser a verdadeira mentalidade do Punk/Hardcore.

Como recuperar o que a área do Espectáculo / Cultura Underground perdeu no Porto? Há forças para ressurgir?

Sofia: Recuperar talvez não seja a palavra de ordem. Por muito que me custe dizer isto, acho que a palavra-chave aqui é “reconstruir”. Sempre que algo inesperado surge para mandar abaixo estruturas que nem sequer considerávamos possível cederem, só há um caminho: recomeçar. A forma como isso acontecerá só depende da capacidade de as pessoas conseguirem falar entre si e chegarem a objectivos comuns. Parece um conceito simples, mas não é. Isto porque, para que isso aconteça, é preciso destruir velhos conceitos que geram circuitos elitistas. Esses circuitos elitistas sempre existiram, e sempre serão o nosso maior problema. Descentralizar esses pequenos poderes, e distribuir igualmente as oportunidades, parece-me o caminho a seguir. Com a certeza, porém, do quão utópico tudo isso soe. Espero sinceramente que os erros do Passado possam ser suprimidos por melhores ideias, mais humildade e mais cooperação entre todos os organismos envolvidos neste desafio que é reerguer a Cultura Underground dos escombros. Afinal de contas, o que melhor nos caracteriza é mesmo essa capacidade de adaptação e insurgência contra aquilo que consideramos menos bom, através de acções que potenciem o que consideramos de real valor. Conto com todos para dar a volta por cima.

Qual é o próximo passo para os PLEDGE, como banda e como indivíduos? Pós-pandemia, concerto em Lisboa. Pode ser? Ahahah mais uma vez, um forte agradecimento, sinceras desculpas pelas – por vezes – longas questões e até um dia destes, em Lisboa ou no Porto. Cheers!

Hugo: Actualmente, como indivíduos, estamos como o resto do Mundo, a respirar à superfície e a ver como este cenário do provável pós-Covid se desenrola e voltarmos às nossas rotinas pessoais e profissionais. Como banda estamos focados em promover o disco de estreia, enquanto não nos for possível apresenta-lo ao público ao vivo vamos trabalhando “virtualmente” a sua promoção mas visto que o Mundo hibernou durante um ano nós aproveitamos esse tempo para compor novas músicas, podemos adiantar que o nosso próximo passo é dar consistência na sala de ensaio às músicas novas e entrarmos em estúdio para a sequela do "Haunted Visions", estamos híper motivados com as novas músicas que estamos a escrever e na sala de ensaio não se fala de outra coisa Nada de que pedir desculpa. Muito obrigada por uma entrevista super interessante. Venham mais assim. Estamos esperançados que em breve, e antes cedo do que tarde, possamos regressar aos palcos. E obviamente que Lisboa está no nosso mapa para um concerto de regresso... Esperamos lá por ti para nos dares as boas-vindas, e quiçá para uma conversa interessante acompanhada de um copo!

Obrigado pelas respostas, e pelas novas respostas. Foi um prazer, e será um prazer repetir isto, mas presencialmente.




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