Mais um que se vai...

Considero que seja, de certa forma, um produto da cena Grunge dos 90. De que forma, perguntais. Nascido nos 80, os 90 foram um “parque”de descoberta. Todas aquelas ondas que vinham de longe e nos arrancavam os pés da areia, anos mais tarde ainda se fazem sentir. Independentemente do género musical a que tenhamos mais afecto, desenvolvemos uma capacidade de absorção do que nos rodeia, tremenda. Já um jovem, de curta estadia neste planeta, deparo-me com a MTv – sim, a MTv foi, em tempos, um excelente canal – e com uma quase constante rotação de all things Seattle.

O meu Passado com o Rock n’ Roll não começa aqui, mas terá tido, quiçá, a sua solidificação nesta era. É quando penso nas datas de edição de certos álbuns que realmente percebo que estou velho ahahah fast forward: sai o “Nevermind”, álbum com o qual tenho uma relação estranha. Não é que não goste do mesmo, mas não o vejo como aquela maravilha que muitos apregoam ser. No fundo, quem sou eu? Mas regressemos a Seattle. Durante anos tomei esta cena, esta realidade musical – sim, o som de Seattle, como li há uns anos... fico na dúvida se devo concordar LOL – como algo... tão familiar que não recordo o Eu musical sem ela. Nunca desvalorizando, à excepção do “Nevermind”, mas se calhar é mais a “Smell...”, ou a minha casmurrice de velho. O Grunge é, de uma forma muito crua e dolorosa, aquela relação que tiveste há anos e anos atrás, que não funcionou e nunca vai funcionar, mas que não apagas totalmente porque te deixou uma marca. Mas hey, uma marca boa. Não pretendes voltar, mas aceitas que tenha existido. Isso é o Grunge, para mim. Imensas músicas associadas a momentos de infância, que hoje vês com outros olhos; aquela pré-adolescência que veio carregada de traumas e o raio, isso é o Grunge. Não é camisas de flanela nem penteados deslavados, Cobain style! Isso é acessório e desvanece com o tempo. Muitos diriam que isto é o Emo Punk LOLOL mas não poderiam estar mais enganados. Cobain, o primeiro Emo ahahah e o Lanegan sempre me deu essa ideia – ainda que não fosse tão conhecedor deste como de outros, atenção: uma constante, e real, tristeza. 

Anyway. Todos aqueles nomes que me acompanhavam enquanto fazia os TPC, enquanto jogava Zelda, enquanto me deitava na cama ou no chão, a tentar vislumbrar o que vinha mais à frente na minha vida. Deep shit para um miúdo de 10 / 11 anos, certo? Sim, porque nós, com esta tenra idade, já tinhamos acesso a Música, não a esta música que os nossos filhos ouvem (dor no coração). Eles foram caíndo: Layne, Starr, Cobain, Weiland e Cornell. Uns mais Grunge que outros, uns mais amados que outros, quer se queria quer não, estes eram os nomes maiores de uma cena, de um som, de uma realidade musical que marcou uma geração, e que levou imenso pessoal que nunca tinha posto – se desde então já o fez – os pés numa floresta, ou no que raio seja, a usar camisas de flanela aos quadrados, pá! Esta é a dimensão de uma cena musical, seja ela de que era temporal for.

Ontem, 22/02/2022 por volta das 20:30, recebo uma mensagem que informava que o Lanegan tinha morrido, aos 57 anos de idade, em sua casa na Irlanda. Na realidade nunca fui grande conhecedor do trabalho dele, porque nunca me empenhei o bastante em conhecê-lo. Independentemente disso, a voz dele era qualquer coisa, mas qualquer coisa. Tal como a do Layne, esta emanava dor e pesar. Havia uma destruição quase palpável. Era admirável ver como este pessoal ia sobrevivendo ahahah ainda que este facto, na altura, nos fosse totalmente desconhecido. Não havia redes sociais, não se sabia quem fazia o quê, nem isso era de importância. Queríamos Música e mais Música. Mas sim, o “Sweet Oblivion” é daqueles álbuns eternos, e caracterizadores do que se fazia em Seattle nos 90, ainda que os Screaming Trees tivessem uma forma distinta de fazer Música, o que não fugia muito das restantes bandas da “cena”. Não havia duas bandas iguais, mas no final havia sempre aquele fio condutor que as unia de forma a que sim, soasse a uma cena unificada pelo som. 

“Sweet Oblivion” mostra uns Screaming Trees a apportarem a sua chama para o incêndio que já era o Grunge. Editado em 1992, teve um “azar” do raio e sai no mesmo ano que o “Dirt”, e sejamos sinceros, mas poucos álbuns poderiam almejar a bater tamanho portento da Música. Ainda assim, não passou ao lado dos fãs ou da imprensa especializada. É fantástico do início ao fim. Tem rodado bastante desde que recebi a noticia, e adoro que tenha esta nuvem escura a pairar por cima, mas mantenha aqueles riffs de guitarra tão psicadélicos e Hard as Fuck! Gary Lee Conner a dar cartadas, e que cartadas. “Nearly Lost You” rebentou, e fez parte da OST do filme “Singles”, que ainda hoje me deixa confuso quanto à finalidade do mesmo: explorar o filão Grunge, ou o filão Grunge explorar, uhm... anyway, e porque de Mark Lanegan falamos, temos obrigatoriamente que mencionar a sua participação naquele que é, na minha opinião, um dos melhores álbuns saídos da cena de Seattle, de Seattle, daquela zona, como preferirem: “Above”, de Mad Season. A banda era, por si só, uma All Star Team (Wikipedia on that), e aqueles 10 temas são como que uma viagem por redes de alucinogéneos, depressão e desalento. “Long Gone Day” tem um groove estranho, mas estranho no contexto do álbum. soa, por vezes, demasiado alegre, ainda que a interpretação e a letras sejam mostra do contrário. Seria do ar? Não. Era mesmo da vida de cada um daqueles músicos. Fast forward, e temos o Sr. Lanegan a colaborar com QOTSA. Saiu bem, saiu muito bem, especialmente por ter sido na fase mais criativa da banda – na minha opinião. 

Era músico que colaborava com imensa frequência, fosse com artistas mais conhecidos, fosse com músicos mais underground, o prazer que retirava da Música era imenso. Mantenho que a melhor colaboração deste é com Mad Season, mas talvez soe biased, não sei. Em 2020, ano em que os Alice in Chains foram homenageado com o Founder Award do MoPOP, cedeu a sua voz a uma sentida versão da “Nutshell” (e da “Brother”), que duvido que tenha deixado qualquer fã de Alice in Chains, ou do Layne, indiferente (aquela lágrima...). Em miúdo, recordo que absorvi um pouco do que o Grunge emanava, como estilo musical. A Margem Sul fica bastante longe de Seattle em vários sentidos, logo não tinha como estabelecer o paralelismo entre ambos espaços físicos. Ainda assim, são boas – e muitas – as memórias do meu casaco de flanela, aos quadrados, e o Unplugged de Alice in Chains – cópia, claro – no Walkman. 

O Lanegan sempre me pareceu um tipo triste, abatido, imensamente introvertido também. Fosse em placo, fosse em entrevistas, havia sempre uma nuvem escura a pairar por cima. Quiçá, quem sabe, fosse tudo peso do Passado e das acções irresponsáveis. De qualquer forma a música triste e soturna será sempre a melhor, e a Música criada por ela era assim, escura e densa.

Um pouco à semelhança do que vivemos há já 2 anos, a possibilidade de um conflito armado no coração da Europa, ambos momentos históricos que experienciamos no Presente, o pensamento de ter estado vivo, e consciente da realidade, aquando do grande boom do movimento Grunge, dá aquele pico de orgulho do “estive lá”, ainda que fosse bem garoto e longe de perceber a grandeza daquilo. Vejamos: quantas bandas nos “chegaram” a casa?! Nirvana, Alice in Chains, Pearl Jam, Soundgarden, Stone Temple Pilots, Mudohoney?! E as outras todas que só vim a descobrir mais tarde?! Algumas revelaram-se superiores às referidas. Onde vivia o Lanegan e os seus Screaming Trees?! 1986 foi o ano em que “Clairvoyance” deu a conhecer a voz, a fortíssima voz que este Senhor tinha, mas infelizmente nunca conseguiram atingir o patamar dos antes mencionados. Sempre os vi como aqueles tesouros, acessíveis a todos, mas que mesmo assim vivem em pequenos nichos, recatados espaços onde nem todos conseguimos aceder, em certa forma por não conseguirmos “atingir” a Arte.

Independentemente disto tudo, Seattle perde mais uma voz, e o Vedder é, realmente e cada vez mais, o único que por cá anda. Miúdos, mais surf e menos drogas dá nisto. Não sejam idiotas... surf.



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