Grievance – A Constante Presença da Ancestralidade



Tivemos a oportunidade de falar, ano passado – 2019 – ainda que de forma breve e muito específica, se o posso dizer. Desta feita quero aproveitar a oportunidade para te colocar questões mais abrangentes.

Obrigado, mais uma vez, pela oportunidade de, pela 2.ª vez, te incomodar com algumas perguntas. Antes de mais, parabéns pelo mais recente álbum ("Nos Olhos da Coruja"). Comecemos pelo início, comecemos por 1997. Como tem sido esta caminhada com Grievance?

Tem sido uma caminhada cheia de peripécias e mudanças, que tem acompanhado toda a minha vida adulta, praticamente. Olhando parar trás e para o ano da formação é quase milagroso o facto de Grievance ainda existir, pelo facto de ter sido formada como um duo e agora funcionar como projecto a solo, algo que nunca me teria passado pela cabeça na altura, mas a força de continuar sobrepôs-se a tudo, inclusive a esse facto, e aqui estou, quase 25 anos depois. A musica evoluiu a todos os níveis mas ainda tento capturar a essência original que nasceu nesse ano. Na altura vivia-se o auge do movimento, quando apareciam álbuns geniais quase todos os meses. Dessa paixão o conceito original de Grievance era fazer Black Metal extremo, apaixonado e cantado em Português, alias acima de tudo com um “feeling” Português, que ainda hoje persigo nas minhas inclusões criativas, esse foi o objectivo e continua a ser, do ponto de vista criativo, o foco principal da banda.

Como tens lidado com a actual situação? Escusado perguntar se foste afectado por esta pandemia.

Tenho lidado, como todos temos, com benefícios e prejuízos, no meu caso até não foi muito grave, já que faço música por prazer acima de tudo e tenho uma ocupação “diurna” para pagar as contas que não foi muito afectada. Conheço gente muito mais afectada que eu, embora tenha sido por vezes difícil lidar com tamanho isolamento, mesmo para quem faz a musica que faço o isolamento extremo pode trazer muitas coisas boas e más, cabe a nos tentar aproveitar a boas e excluir as más. Inclusive esta situação acabou por ser acompanhada por uma série de mudanças a nível pessoal que só por elas estavam a ser duríssimas, foi um epítome da Lei de Murphy, basicamente. O que interessa é que sobrevivi e todas estas experiências tornaram-me uma pessoa mais forte, determinada e focada. 

De que forma o “Nos Olhos da Coruja”, editado em 2020, sofreu com a pandemia? Será complicado editar e promover um álbum quando o Mundo está totalmente alienado da realidade, suponho.

Sem dúvida que sim, alias, o album estava planeado sair por volta de Abril e o lançamento foi consecutivamente adiado por causa da pandemia, fora a isso a divulgação foi afectada em vários níveis e apenas agora em Junho de 2021 está a começar a sua divulgação ao vivo. 

Sendo tu um músico que se “alimenta” das nossas tradições, da ancestralidade da nossa cultura e das nossas lendas, qual o conceito base deste “Nos Olhos da Coruja”? 

Na realidade o álbum é uma grande mistura de conceitos, embora tenham uma linha mestra que os une: o relembrar e meditar sobre o nosso Passado para que apliquemos essa sabedoria no presente. O relembrar de todos os eventos que moldaram a nossa história e a história da humanidade, um retorno da ligação à terra, às gentes, à sabedoria milenar. À sabedoria interior.

“Nos Olhos da Coruja” recebeu, como já tinha passado com “Em Lucefécit”, excelentes críticas da parte de publicações estrangeiras. O arriscar o salto para fora de fronteiras nacionais é uma possibilidade, ou algo que nunca foi ponderado? 

Será uma possibilidade a ver no futuro, da parte de Grievance esse é desde já um objectivo traçado, apenas adiado pela pandemia. Agora é esperar a altura certa e as condições certas para o fazer. Por agora a ideia será conseguirmos participar em festivais no estrangeiro, mais tarde organizar uma mini-tour europeia. Neste momento ainda não há nada em concreto, apenas o desejo de o fazer. 

De uma forma geral, em que conceitos e ideias te baseias para criar Música com Grievance? 

É difícil apontar uma linha mestra, podem ser reflexões mais interiores sobre inúmeros aspectos bem como incursões na história e culturas não só Portuguesas mas mundiais, normalmente focando histórias, visões, lendas e fenómenos. Tento não ter barreiras criativas naquilo que faço e busco sempre novas abordagens. Quem sabe o que virá ainda? Uma coisa é certa, para ser Grievance tem de ser algo extremo, obscuro e interessante ao mesmo tempo.


Provavelmente já te foi colocada esta questão, mas ainda assim, levanto-a uma vez mais: qual a razão para os interregnos a que a banda foi sujeita? 

A maior razão foi a saída de Azarath do país, em 1999. Embora ambos quiséssemos por em pratica novas abordagens e planos para a banda estes foram sempre barrados pelas nossas vidas pessoais e pela distância física. Grievance nunca foi uma banda que interagiu à distância, simplesmente assim não funcionou. Estive envolvido noutras bandas de vários sub-géneros, não só Black Metal e isso ajudou-me a ganhar mais conhecimentos e experiência como músico. Apenas por volta de 2011, quando tomei as rédeas da banda é que as coisas se começaram a desenvolver com mais ritmo. 

Ainda assim, desde 2013 a banda tem sido bastante consistente a nível de edições, e foi com o álbum “Retorno” que tomaste a banda como um projecto somente teu. Esta independência é essencial para ti, aquando da criação?

Sim, acostumei-me a fazer as coisas sozinho, e como tenho a vantagem de ser multi-instrumentista tenho todas as ferramentas para tal. Confesso que não foi fácil a habituação a trabalhar sozinho mas neste momento estou de tal modo habituado que é muito difícil haver alterações nesse aspecto. A liberdade criativa é total, o que me agrada imenso. Há e sempre haverão possibilidades de participações especiais nos álbuns, como no caso do mais recente trabalho em que participaram ambos os integrantes do line-up da segunda demo, Enjendro, que numa visita que fiz a Algeciras gravou as vozes para o intro da faixa “Presságio” e Azarath, o co-fundador, que compôs a linha de guitarra base da faixa “Seres Alados”, gravada em Portugal, no meu estúdio privado, aproveitando uma visita à sua família.

Os músicos que te acompanham em palco, são única e exclusivamente um apoio – imenso – ou há aporte, da parte deles, para o produto final? 

Os músicos que acompanham a banda ao vivo são uma parte muito importante da banda, pois sem eles seria impossível apresentar a minha musica ao público. Grievance funciona quase como duas bandas distintas: A versão ao vivo como quinteto e a versão de estúdio onde tudo é criado e executado por mim. Todos os músicos que participam nos concertos são músicos de sessão teoricamente, ou seja, apenas executam os temas ao vivo, embora são acima de tudo quatro pessoas que partilham da paixão pela musica como eu e o fazem acima de tudo por gosto e prazer. Partilhamos uma relação de companheirismo e amizade que muitas vezes se sobrepõe á parte “profissional” dos seus desempenhos. 

A par de Grievance, variadíssimos projectos te passaram pelas mãos: Vanadyum, Trevas, Mass Brutality, Zephyrus, foste membro integrante de Flagellum Dei e Vizir, e mais recentemente, Maldito. Está algum em falta? Todos são distintos entre si. Sentes essa necessidade de extravasar todas as sonoridades que há – ou havia – em ti?

Sempre fui e continuo a ser uma pessoa que gosta de experimentar e viver várias sonoridades, não ouço apenas Black Metal, e o meu passado como musico mostra exactamente isso. Orgulho-me de todas as participações que fiz, mesmo aquelas com que já não me identifico. Foi uma aprendizagem, um caminho, uma progressão. Neste momento sei como nunca o meu caminho a traçar como músico, e o caminho é a sonoridade que estou a fazer em Grievance.

Falando de eventos recentes: de que forma surge Maldito – um trio constituído por músicos, com provas mais que dadas na cena Black Metal – e qual o conceito em que assenta esta criação? Uma perspectiva diferente do Black Metal?

Maldito surgiu através de uma proposta do Nocturnus Horrendus, que consistia em fazer uma jam session com ele e também com o D. Sabaoth, felizmente desse encontro começaram a surgir ideias muito boas, que acabaram por ser materializadas nos 4 temas da demo. As gravações dos instrumentos foram feitas em live studio, ou seja, connosco a tocar ao mesmo tempo. A voz foi adicionada posteriormente por mim. Foi uma grande surpresa para mim haver uma química instantânea entre nós, pois foi a primeira vez que tocámos os 3 juntos (já tinha tocado com o D. Sabaoth em Flagellum Dei e nunca tinha tocado com o Nocturnus Horrendus). O que é certo é que para mim os temas da demo saíram mesmo muito bem e da minha parte será um experiência a repetir.

Que podemos esperar, tanto de Grievance como de Maldito, para o Futuro? Já há rascunhos? Riffs? Algo?

A nível de Maldito não está nada por agora no horizonte, mas eventualmente voltaremos a reunir-se para fazer mais temas. A nível de Grievance está a ser preparado um split com uma banda a anunciar, da minha parte tenho 5 temas prontos estruturalmente, ainda estou a aprimorar algumas partes de guitarra e baixo, as letras já existem e ainda falta gravar as linhas de voz. Haverão mais desenvolvimentos nos próximos meses, conto ter os temas aprontados até ao fim do verão. Mas detalhes serão revelados entretanto. Aproveito para agradecer a entrevista, que tudo corra bem e que haja muito e bom Black Metal!

Segunda vez que tenho a oportunidade de te colocar questões, e algo me diz que não será a última. Haja Música, que cá estaremos para a admirar. Forte cumprimento!





Comentários

Mensagens populares deste blogue