Quando era puto tinha uma caveira e um X enormes desenhados na parte de dentro da porta do meu quarto, com Xutos & Pontapés por cima. Os meus pais não acharam grande piada, mas perceberam cedo que não havia volta a dar, e lá se resignaram. Os Xutos, dos quais mais tarde me “divorciei”, deram-me anos e anos de alegria e foram, de certa forma, uma escola. Ainda hoje considero o “78/82” um dos grandes álbuns da música portuguesa, e a “Sémen” A música do Xutos. Para lá das grandes malhas com aquele feeling bem Punk Rock, o serem álbuns bastante “simples” e despidos de grandes artifícios no que toca à capacidade técnica dos mesmos (ainda que o Cabeleira sempre tenha tido uns dedos de topo) sempre me transmitiram essa sensação de inocência e simplicidade. A partir dos 90 operaram um shift na forma como faziam música, e acabei por sentir que esses elementos, que me tinham agarrado anos antes, se tinham dissipado.
Reeditado em 2000, mas gravado após o lançamento do “Cerco” em 1986, este trabalho pretendia mostrar como a banda era ao vivo, todas as emoções, a raiva, a alegria, o poder e o sangue e suor. Escusado será dizer que o alinhamento é perfeito, e que deveria ser replicado incessantemente até à exaustão. Estes são os Xutos, esta é a fase mais Xutos, da carreira dos Xutos. O “Cerco”, o “Circo de Férias”, “88”, serão quiçá os álbuns que melhor descrevem e mostram o que era a banda. Do arranque com “Som da Frente”, ao fecho com “1.º de Agosto”, e todas as malhas ali no meio, não há um filler, não há uma malha que não seja merecedora de figurar neste trabalho. Estes Xutos, que podiam tocar num espaço como o Rock Rendez-Vous sem ter que marcar mais de um espectáculo, eram brilhantes! Este registo permite-nos, ainda que de forma imensamente distante (não só pela questão temporal, obviamente), sentir essa simbiose Banda & Público, as reacções às malhas que vão desfilando, as malhas em si... “Esquadrão da Morte” e “Barcos Gregos” assim de rasgão diz bastante do “arsenal” da banda. “Se me Amas”, “Homem do Leme” (versão original, não a melosa) e “Sémen” são os hinos que se seguem.
Na verdade, a carreira dos Xutos tem sido pautada de hinos. A banda é valorizada, isso é certo, mas às vezes creio que se ignora, e tenho esta conversa várias vezes com a minha esposa, fã de Xutos, do peso e real importância dos primeiros anos/trabalhos da banda. Todos conhecemos todas as malhas - ou quase todas, que já são mais que muitas LOL - mas aquela visceralidade da inocência e do descobrir onde conseguiriam chegar, é impressionante. Irrita-me já ter visto tantos concertos de Xutos, mas nunca ter ouvido a “Sémen”. Injustiça. Este álbum é, de certa forma, quase um Best Of dos Xutos, se tivesse sido eu a decidir as músicas. Falta ali uma “Gritos Mudos” e o “Jogo do Empurra” (talvez a melhor linha de baixo, de sempre, do Tim) e ficava tão perfeito que dói!
Não vale a pena debruçar-nos mais sobre a carreira da banda, sobre o que a mesma atingiu, os álbuns e as malhas do Passado, a perda de um músico tão carismático como o Zé Pedro, e uma série de detalhes que fazem dos Xutos os Xutos. Não seja de ser interessante ver que estes se tornaram uns Metallica, de certa forma; posso não ter qualquer relação com o Rock n’ Roll, mas gosto de Xutos. Engraçado. Chegámos ao “Sou Bom”, aquele Rock n’ Roll do antigamente ao qual o Gui adiciona suaves e funky linhas de saxofone, que quando rasga para o refrão explode! Estas malhas mais velhinhas são a identidade real dos Xutos. Fiquemos com estas melodias.
Comentários
Enviar um comentário