SPIRITUAL DISEASE

Sempre considerei o Black Metal como o sub-género do Heavy Metal em que o nível de criatividade apresenta níveis mais elevados. Estarei a ser demasiado tendencioso? Sim, provavelmente, mas vejamos o seguinte: será o Black Metal o sub-género que apresenta o maior número de ramificações da sua forma original? Quiçá. Isso não faz deste o maior e melhor (ainda que seja), mas mostra o quão o mesmo se conseguiu transformar e renovar, desde os seus primórdios.

Mas entretanto, há uma série larga de anos que começámos a ver algo interessante. A cena norueguesa (e escandinava em geral, de certa forma) começou a polir o som, a “abrandar” o som, a afastar-se do som com que deu início ao Black Metal (falamos da 2.ª vaga), optando por dar um novo rumo à criação, de certa forma. Os Watain e os Dimmu Borgir, para referir dois dos maiores nomes do Black Metal, foram ostracizados por operarem as mudanças que operaram na sua música, e todos sabemos que o fã de Black Metal não admite certas mudanças. Alguma vez se admite que os músicos que gravaram um “For All Tid”, gravassem um “Abra... algo”? Jamais! Há que manter a pureza do som (isso é na Polónia e na Rússia, sff)! E, talvez como resposta a tal, uma necessidade de regressar às premissas primitivas, muito enraizadas na cena Sul-americana, por exemplo, tivemos um Boom de Raw Black Metal. Já me disseram que não houve boom algum, que esta linha de Black Metal sempre fez parte do universo do género... Com a diferença que até há uns anos atrás não tinhas LPs a esgotar, e a serem vendidos por valores na casa dos 3 dígitos...

Portugal, Países Baixos, Bósnia, Estados Unidos da América. Estes serão os mais recentes epicentros (sim, vários) desta mais recentemente (ou mais recentemente em voga) vaga de Raw Black Metal. Não nego que uma banda como Watain, ali até certo ponto, me agrada bastante. Talvez sejam as similaridades com Dissection (que adoro), mas aquele Black Metal “limpo”, nunca me fez confusão. E não faz, nem tem porque fazer! Produção mais limpa, menos limpa, nem sequer produzido... na verdade tinha o ouvido educado para uma realidade sonoro, que não me permitia assimilar outra. Bandas sul-americanas, por exemplo, nunca deixaram de criar Black Metal mais “podre” – mas os sul-americanos são crazy – e um banda como Sarcofago e o “INRI”, não soam a limpo, mas sim a bem sujo. Claro que muitos músicos de Black Metal resolveram distorcer de tal forma o som, que nem o Noise é tão noisy. De uma forma resumida: stripped down Black Metal! Raw to the Core, with an Immense Feeling! No final de contas assim se dispõe esta já não tão recente abordagem ao som.

CRUCIFIED SERPENT / SATURNAL BLOOD – SPLIT DEMO (Spiritual Disease 001)

Bem-vindos sejam, ao banquete. Depravação e Putrefacção. Assim se apresenta a label Norte-americana, SPIRITUAL DISEASE. É incrivel a quantidade de novo e bom Black Metal que tem surgido, e os Estados Unidos nunca mais serão olhados de lado, como menos capazes, com entidades como estas, como Sanguine Relic, como Hand of Glory, como tantas outras... a cena USBM nunca esteve tão viva e tão fortalecida! Este Split é a iniciação, por assim dizer, à label. Dois projectos, duas entidades, adaptando o lingo a esta realidade “Black Metaliana”, com uma abordagem realmente crua e primitiva ao género! Adoro que haja uma melodia bem enterrada debaixo da distorção, do ruído, daquela amálgama sonora! À primeira audição podemos ficar com a ideia que estamos perante uma simples confusão ruidosa, quando aquilo que realmente nos é apresentado é uma reinterpretação do género, majesticamente bem criada. Que isto não soe a bajulamento. Devo ser das poucas pessoas no universo do Black Metal (mais cru e primitivo), que não soltou lágrimas de felicidade quando saiu o último de Lamp of Murmur, o que é um verdadeiro espanto! Dividamos, então, e de forma muito resumida, este Split: Crucified Serpent traz-nos Black Metal com aquele kick tão reminiscente do Punk. Sempre a rasgar, ainda que haja melodia, e bastante. A outra metade do Split é composto por Saturnal Blood. Ao contrário dos parceiros de crime, Saturnal Blood não vive de agressividade e visceralidade, mas sim de atmosferas calmas – ainda que pesadas – sons demoníacos – mas calmantes. Estranho? Acredito que assim soe, mas esta é a beleza da Música, e em concreto do Black Metal. Esta dualidade, que tão bem encaixa, torna este lançamento uma preciosidade. Mais uma vez: exagero? Quiçá, mas mantenho-as. Um exercício deveras interessante de Black Metal...


GRUESOME ALTAR – “BEAST FEROCIOUS WITH HUNGER” (Spiritual Disease 002)

A Spiritual Disease é uma label Norte-americana, surgida da pandemia (creio), ou pelo menos foi durante esta que a label se mostrou. Indiferente, sinceramente, já que o que interessa é o som. Gruesome Altar é mais uma daquelas pérolas. O cerne desta, não difere do de Blood Magic: Raw Black Metal com detalhes requintados. E em que consistem esses detalhes? À semelhança dos companheiros de label, os Gruesomealtar assentam o seu som num Raw Black Metal, um pouco mais “perdido” que o dos anteriores, mas ainda assim impregnado de identidade. De certa forma “identidade” poderia ser o rótulo classificador destas bandas: inseridas num género bastante amplo, conseguem destacar-se devido às suas características muito próprias. Como em Blood Magic: não se reinventa a roda, mas sim uma forma de se adaptarem às novas contingências do género. O que se nota, em Gruesome Altar, é a agressividade ser muito mais explícita e distorcida. A produção é muito menos limada, muito mais standard no segmento em que se insere. Atenção! Não lhe retira uma grama de qualidade. Arrisco dizer que lhe dá charme, se assim podemos dizer. Os riffs são realmente superiores a muito do que ouvimos, superior a muito do que se faz hoje em dia: intensos e harmoniosos dentro de toda a podridão que nos é apresentada. De novo, um duo. Duas pessoas conseguem criar um som como este, absurdamente fabuloso! Denso e intenso.


DIVINE CASTRATION – “DEMO” (Spiritual Disease 003)


One Man Band, se não estou errado, e 3.º acto desta label Norte-americana. E que podemos esperar de Divine Castration? Black Metal com o feeling do Punk, tudo envolto em distorção e podridão! Sou apologista da ideia “less is more”, e no que ao Black Metal se refere, ainda mais. Um pouco como o Punk, certo? Não andamos com floreados, ou à volta: straight to the point! Um pouco à semelhança dos trabalhos editados anteriormente, Divine Castration vive num mundo muito próprio. Da velocidade Punk, para uma cadência quase hipnotizante. Riffs de guitarra que se arrastam, acompanhados por batidas ritmadas, quase tribais, anunciando o final. Esta abordagem nem sempre é bem conseguida, mas este projecto consegue-o bem. E aquando de transições... fá-lo com detalhe. Mas que pode acontecer quando se decide abraçar este (quase) híbrido de Raw Black Punk Metal? Ser demasiado unidimensional? Pois, verdade. E qual o resultado aqui? Há dinamismo, mas também há esses momentos menos dinâmicos, que acabam por não cair no dessinteresse, porque a globalidade do produto final é muito boa! Não há perfeição, não é Bone Awl, mas é muito bom!


BLOOD MAGIC – “MEDIEVAL DARK ARTS” (Spiritual Disease 004)

Estes Blood Magic seguem a fórmula à risca: Lo-fi q.b., agressividade moderada, delicada melodia, o essencial; linhas de guitarra remniscentes de sons antigos, um pouco do ADN do Punk, mesclado com laivos de Black Metal dos 90, umas vocalizações aguerridas e que, ao invés de se esconderem, sobressaem. Há, neste som, uma noção muito presente de dinamismo. Aqui não há um “despejar” de agressividade e podridão; aqui há uma perfeita noção de ambiente e ambiências. Pequenos interlúdios, se assim lhes podemos chamar, permitem-nos respirar e criar uma ponte entre as músicas, formando um todo, uno. É muito fácil (talvez não), debitar distorção sem sentimento, debitar por debitar, mas o exemplo destes Norte-americanos ilustra na perfeição que a vaga, em voga, cresceu. O que mais me impressiona é esta capacidade que alguns músicos têm, num dado momento da História, pegar em algo já tão estandardizado, e dar-lhe um twist, uma volta, fazê-lo crescer e evoluir! A roda não se reinventa, mas podemos adaptá-la às realidades com as quais nos depararmos.


ETERNAL TYRANT – “A DARK DREAM” (Spiritual Disease 005)

Chegamos, então, à 5.ª oferta da Spiritual Disease. Desta feita temos Eternal Tyrant, e permitam que vos diga que esta Intro (?) é magnifica! Um misto de Dungeon Synth com Dark Ambient e todo um odor a morto e a podre! Majestosas melodias que nos agarram, em expectativa pelo que virá. O receio daquilo que desconhecemos. Caramba, isto é excelente! “Return to the Dark Ages”, ou como um filme de terror deveria soar. De certa forma esta malha encapsula todo o ambiente que esta Demo (podemos considerá-la uma Demo?) transmite. Ritmo lento e pesado. Denso e soturno. Se isto for classificado de Dungeon Synth, é sem dúvida alguma do Dungeon Synth mais monstruoso que tive oportunidade de ouvir. Foge totalmente da imagem sonora de um imaginário de castelos e guerreiros, aproximando-se do mundo das criaturas da noite e de rituais heréticos. 4 actos, 1 sentimento.

VOURDALAK – “WALKERS BETWEEN WORLDS” (Spiritual Disease 006)

Imagens mentais de escuros castelos assolam a nossa imaginação. Nobres sons da Corte, doces melodias de catacumbas repletas de pó. Nesta que é a 6.ª oferta da label Norte-americana, enveredamos, tal como em Eternal Tyrant, no reino do Dungeon Synth / Dark Ambient. Mais colado a DS que os anteriores, não deixa de transmitir um fabuloso mal-estar no ouvinte. Não sou, de forma alguma, perito no género, mas sou grande fã de RPGs, e esta banda-sonora é perfeita para raidar uma masmorra perdida no meio de uma montanha infestada de demónios e criaturas fantásticas (geek alert). Esta Demo é composta por 5 temas que, de uma forma muito engraçada, soam como se fossem, efectivamente, a banda-sonora de uma viagem fantástica, “pintando” cada um dos momentos, das paisagens pelas quais as personagens passam! Muito mais escura que fantasiosa, a Demo está muito equilibrada, permitindo ao ouvinte, viajar.


PERDIZIONE – “DESCEND WITHOUT FORTUNE” (Spiritual Disease 007)


De todos os lançamentos da S.D., este é aquele que nos brinda com o melhor som! Mais do que um Punk, este Black Metal quase que vem acompanhado de ritmos de Rock n’ Roll, daquele sleazy e... Punkish! One man band, que estranhamente – muito estranhamente – me trouxe de imediato à memória o “Assassins II” de Nachtmystium (ui, se os Trves lêem isto...). mas a verdade é que, tal como referido ao início, o Black Metal aqui não é linear, não é totalmente raw, nem demasiado limpo. A característica que tem em semelhante com os restantes projectos do roster é a veia Punk, mas ainda assim tem um groove que os de mais não têm, e esse é o ponto diferenciador. Há mais Akitsa, há mais FOAD, há agressividade. Não é, comparando com Blood Magic ou Gruesome Altar, uma abordagem tão forte, tão consistente... tão boa; mas aqui temos o factor opinião / gosto pessoal. Há uma melodia que não costumo ouvir no USBM, pelo menos naquele que vive no espectro do Raw Black Metal, e que estranho numa primeira audição. Estranho por ser mau? Não, de forma alguma! Estranho porque não esperava dar de caras com esta sonoridade. E isto soa a Nachtmystium, aqui e ali. Segundo o que depois soube, este projecto já não faz parte do roster da Spiritual Disease.


GRUSESOMEALTAR – “COLD REFLECTION OF TWO TRUTHS” (Spiritual Disease 008)

Ora bem, de regresso estamos, a este insano duo. Já a primeira Demo nos tinha mostrado que a normalidade não imperava neste projecto, e os momentos iniciais desta mostram exactamente isso! Again, temos Punk, temos Black Metal, temos uma esquizofrenia controlada e moderada, intercalada com momentos de raiva e agressividade. A dualidade é algo que reina aqui! 5:31 e temos uma entrada absurdamente pesada, densa, arrastada e punitiva! Aquele riff, caramba! E entra o Raw Black Punk Metal. Que dizer? 6 malhas de altos de e baixos, de ritmos lentos e arrastados, acelerados e acutilantes. Dinamismo, aqui, não falha! Mais uma vitória da banda e da label! Há Celtic Frost? Oh pá...


Spiritual Disease Big Cartel

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